vacas lavradas por amor

…e tenho a sensação que vou acordar do pesadelo numa cama fria e bem sozinha. Vou dar espaço à solidão para entrar na minha casa. Abri-lhe as portas e as janelas…fechei-me apenas no escuro da casa fria. A almofada do lado é quente como tu serias. Não aquece lá no fundo nem sequer te substitui. Não tem a tua forma delineada nem desenha os lençóis com impávida harmonia. Não. Está ali apenas para tapar mais um buraco que abri ao entardecer do dia. Aquele momento em que a força esgota e apenas desatino. Gritar é proibido e calo esse impulso numa pancada só. Eternamente a pensar nele mas sem nunca lhe ter dado liberdade. Correr seria bom se as minhas pernas se aguentassem. Elas são já o fruto de todas as sementes que plantei. A droga. Substitui as pernas. Dá-me outras. Mais fortes e mais longas. Corro tão depressa que chego a voar. Às vezes sinto-me uma prostituta. Prostituta de alma. Vendo o meu corpo às pernas fáceis para procurar o caminho que me salvará. Sei que há outras como a prostituta sabe que há outras. O dinheiro é rápido como a minha alucinação é rápida. Ela vende o corpo. Eu também. Ela sonha melhorar e encontrar a meio um novo caminho. Eu também. Ela perde-se nos desaires que ela criou na sua vida. Eu também. Escrevo isto e quando leio aperta-se o meu peito de tal força que desconheço. Bebo. Bebo mais. Bebo mais ainda. E sem querer e saber vendo-me mais um dia. São os trocos que necessito para pagar a minha estadia aqui. Não precisava das quatro ou cinco estrelas mas habituei-me a elas. Os honorários agora exigem mais portanto…e eu dou! Eu dou mais do meu corpo. Prostitutas de alma. Afinal somos todas da mesma espécie. Vacas lavradas por amor. O norte já não há bússula que me indique. Que nos indique. Há apenas um coração magoado e humedecido pelas lágrimas que por medo secaram. Está tudo impávido e sereno à minha degradação. O relógio não pára afinal. Não há espaço vazio no tempo que me permita parar. Preciso de um corrimão sem tempo para lhe chegar. Preciso que o dia não corra desesperado atrás do amanhã. Preciso que o dia não ecoe em cada canto a voz do passado. Preciso que o dia seja dia e nele lhe recorde que é ali que se pode e deve ser feliz.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Está tudo impávido e sereno à minha degradação."
se assim o é, é pq tu nunca permitiste que fosse de outra forma, e agora o cansaço é mais forte que a compaixão.